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sábado, 22 de outubro de 2011

.15 - Capitão Pecado

Hey hey!


Terminei de ler o livro "Capão Pecado",
   livro cru, fácil, fino e rápido de ler, com escrita oral, escrito por FERRÉZ, um morador do Capão, que mostra a realidade desse canto da Zona Sul chamado Capão Redondo que resume bem o que é a miséria nessa cidade de São Paulo, a metrópole desse país em acelerado 'desenvolvimento' chamado Brasil.

    O livro começou fazendo sucesso primeiro nas periferias e só depois foi alcançar a classe média, que, com certeza, teve um certo mal-estar ao lê-lo. Tenho certeza que muito playboy que leu o livro viu suas bolas caindo no chão ao ver que a vida é diferente depois da Ponte João Dias.
    É do tipo de livro que te dá uns tapas na cara bem servidos, e pra nós, que moramos na periferia e adjacências, é meio impossivel não comparar um dos personagens com alguém que a gente conhece...
   Seu tio bêbado que tem a família destruída por causa do ácool, seu amigo que trampa que nem louco no McDonalds pra ganhar uma merréca, o negro que é enquadrado e apanha da polícia de graça, as 'igrejas' sangue-sugas, o mano que seguia firme o caminho e hoje se afundou nas drogas 'tragando a morte, soprando a vida pro alto' e etc. Enfim...

   Porque estou falando do livro? Por que quero compará-lo com um outro livro escrito por um mano bem loko do século passado, Jorge Amado. O livro? Capitães da Areia.
   Claro, há muitas diferenças, Capitães da Areia se passa na Bahia, nos anos 30 e os protagonistas são garotos de rua esfomeados. Além que Jorge e Ferréz possuem de estilos de escrita BEM distintos. Mas ambas as obras possuem muito em comum: Os dois livros contam a história da miséria passada pela coletividade; contam a história do ódio e dos sonhos que brotam em todos (no pobre ainda mais); Os dois livros são contados de modo simples e com uma narrativa fácil de entender;
   Os dois livros ACUSAM a realidade.
   Mas ainda assim, ambos são carregados de esperança. =/
   Segue aqui dois trechos que resume bem o Capão Pecado. (são grandinhos, mas vale a pena)

"Rael entrou na igreja, o culto ainda estava no início, notou o livro preto que todos seguravam quase na mesma posição. Ele viu a atenção dos irmãos e, embora tivesse sido frequentador de uma igreja católica, tentou respeitá-los, pois sabia que ali estavam protegidos, guardados do holocausto, do inferno verdadero e diário, pelo menos se escondendo temporariamente dele. Rael fechou os olhos e tentou orar, mas não conseguiu. Ele viu tudo errado, o pai que degolou o filho em um momento de loucura química; a mãe que fugiu e deixou três filhos; a grande manipulação da mídia que elege e derruba quem quer; a forte pressão psicológica imposta pela família; o preconceito racial; o pastor que em três anos ficou rico; o vereador que se elegeu e não voltou para dar satisfação; o dono de banco que recebe ajuda do governo e tem um helicóptero; os empresários coniventes, covardes, que vivem da miséria alheia; a mulher grávida que reside no quarto de empregada;o senhor que devia estar aposentado e arrasta carroça, concorrendo no trânsito com carros importado que são pilotados por parasitas; o operário da fábrica que chegou atrasado e é esculachado; o balconista que subiu de cargo e perdeu a humildade; o motorista armado; o falso artista que não faz porra nenhuma e é um viado egocêntrico e milionário, o sangue de Zumbi que hoje não é honrado.[...] E Deus? Seria da mansão dos patrões ou viveria na senzala? Ele entendeu que tá tudo errado [...] a porra toda tava errada. Tudo."

Conversa entre os personagens Narigaz e Matcherros
"Narigaz começa:
- É foda essas fitas aí, no final todo mundo que morre neste fim de mundo é classificado como a mesma coisa. Por isso que eu falo, truta, eu quero continuar a estudar, se Deus permitir, mano, eu quero ter um futuro melhor. E o pior é que, se você analisar os fatos, vai notar que de todos os trutas só um ou dois patrícios tão querendo algo. Por exemplo, você; você ta vacilando, Matcherros, tem que se ligá, mano.
- Aí, Natigaz; vai atrás do seu, maluco, que o meu tá garantido.
- Tá, eu tô vendo. Sua vaga lá no [cemitério] São Luís te esperando, fica fazendo essas fita errada aí, que você vai ver..[...] Cê vê... o Alaor tá na correria, o Panetone e o Amaral também tão dando mó trampo, mas o resto, mano, na moral, tão vacilando. Eles tinham que ouvir as idéias do Thaíde, tá ligado? 'Sou pobre, mas não sou fracassado.' Falta algo pra esses mano, sei lá, preparo [...]. Enquanto eles dormem até meio-dia e fica rebolando nos salão até de manhã, os playbas tão estudando, evoluindo, fazendo cursinho de tudo que é coisa. [...] Se liga, os playbas têm mais oportunidades, mas na minha opinião, acho que temos que vencê-los com nossa CRIATIVIDADE, tá ligado? Temos que destruir os filhos-da-puta com o que a gente tem de melhor, o nosso DOM, mano. O Duda e o Devair pintam pra caralho, o Alaor e o Alce fazem um rap bem cabuloso, o Amaral e o Panetone jogam uma bola do caramba. Você, Matcherros, desenha até umas horas, mas tão aí tudo vacilando, cês tem que se aplicá. Uns tentam, outros desistem fácil demais, e o que tá acontecendo é que o tempo passa, tá lidado?, e ninguém sai dessa porra. Mas vai lá trocá uma idéia cinco minuto e você vai ouvir reclamação até umas hora. Tá tudo ruim, cara., o mano agora é pai de um bebê, o pai do outro fugiu com uma vaca, o pai de cicrano é tão filho-da-puta que tão dizendo até que é bicha. Mas Mostra aqui, quem tem o dom de ler um livro, quem aqui você viu dizendo que tá tentando melhorar, que tá estudando em casa, que tá se aplicando? Ninguém, mano, pois pra sair no final de semana e beber todo mundo sai; mas pra estudar, aí é embaçado, e o futuro fica mais pra frente, bem mais pra frente daqui.
- É [...] o futuro dos boy tá mais perto de acontecer do que o nosso." 


Tudo isso só pra mostrar a camiseta que fiz na semana passada:
Camiseta: CAPITÃES DA AREIA - GATO 
(CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR - Camiseta feita em 06-out-2011 - Sob encomenda a Ju, amiga do cursinho)


Agora só pra finalizar, fica só com esse trecho do Capitães da Areia.
"Pedro Bala sentiu uma onda dentro de si. Os pobres não tinham nada. O padre José Pedro dizia que os pobres um dia iriam para o reino dos céus, onde Deus seria igual para todos. Mas a razão jovem de Pedro Bala não achava justiça naquilo. No reino do céu seria iguais. Mas já tinha sido desiguais na terra, a balança pendia sempre para um lado."

Ósculos!
Salve, Jorge! Salve, Ferréz!